DOI: http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v14i28.905
A
ADMISSIBILIDADE DE DEMANDAS TERRITORIAIS INDÍGENAS NA COMISSÃO INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS
ADMISSIBILITY OF INDIGENOUS TERRITORIAL DEMANDS ON THE INTER-AMERICAN
COMMISSION ON HUMAN RIGHTS
Voltaire de Freitas Michel
Doutor e
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Professor
dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER).
Email: voltairemichel@hotmail.com
Marc Antoni
Deitos
Doutor em
Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Mestre em
Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Professor
dos cursos de graduação do Centro Universitário Ritter
dos Reis (UNIRITTER)
Email: antonideitos@hotmail.com
RESUMO
Inicialmente,
o trabalho apresenta um histórico da formação do sistema regional
interamericano de proteção aos direitos humanos, destacando a criação da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A partir da análise de uma
sucessão de julgados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o paper avalia, em primeiro lugar, o modo como
o órgão interpreta as condições de admissibilidade das demandas que noticiam
violações a direitos indígenas, sobretudo os relacionados com o reconhecimento
das terras tradicionalmente ocupadas por esses povos. Em seguida, com base no
referencial teórico anterior e diante do fato concreto das dezenas de casos
submetidos à Corte, o trabalho faz uma análise qualitativa do modo como os
requisitos de admissibilidade têm sido interpretados pelo órgão do sistema
regional. Como conclusão, pode-se apontar para uma certa
flexibilidade da mencionada Comissão para a admissão dessas demandas, o que
sinaliza para uma receptividade para o conhecimento de demandas relacionadas
com terras indígenas. Para fins metodológicos, a análise se limitou aos casos
submetidos à Comissão no período que se inicia com a instituição da Relatoria
de Povos Indígenas (1990), destinada à especialização na abordagem dessas
matérias.
Palavras-Chave: Direitos
Humanos. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Admissibilidade. Direitos Indígenas. Demandas
Territoriais.
ABSTRACT
Initially, the article presents
a history of the formation of the inter-regional system of protection of human
rights, highlighting the creation of the Inter-American Commission on Human
Rights. From the analysis of a series of cases decided by the Inter-American
Commission on Human Rights, the paper evaluates, first, how the body interprets
the conditions of admissibility of demands who report violations of indigenous
rights, particularly those related to the recognition of lands traditionally
occupied by these people. Then, based on previous theoretical and before the
concrete fact of dozens of cases submitted to the court, the work proposes a
qualitative analysis of how the admissibility requirements have been
interpreted by the Commission. In conclusion, one can point to a certain
flexibility of the said committee for the admission of these demands, which
signals a receptiveness to demands related to
indigenous lands. For methodological purposes, the analysis was limited to the
cases submitted to the commission in the period that begins with the
establishment of the Rapporteurship on the Rights of Indigenous Peoples (1990), which detains the expertise in dealing with these matters.
Keywords: Human Rights. Inter-American Commission on Human Rights. Admissibility. Indigenous rights. Territorial Claims.
INTRODUÇÃO
A criação dos sistemas
regionais de proteção de direitos humanos, paralelamente às jurisdições
domésticas e ao sistema global, está amparada no pressuposto de que países e
regiões que compartilham história e identidade cultural teriam uma
sensibilidade mais apurada para lidar com questões semelhantes e comuns.
À luz desse pressuposto,
três sistemas regionais de proteção de direitos humanos interpõem-se como
intermediários entre as jurisdições domésticas e o sistema global de proteção
de direitos humanos: os sistemas regionais interamericano, africano e europeu
(HEYNS, PADILLA, ZWAAK, 2006), cada um enfrentando peculiaridades históricas e
culturais próprias.
Na África, emergem as violações de direitos
humanos decorrentes, sobretudo, da intolerância política e religiosa; no
sistema europeu, a pauta é como convergir interesses dissonantes numa sociedade
cada vez mais plural; e no americano, entre todos os temas, o que aparece com
maior grau de peculiaridade é a questão indígena, como garantia da identidade
cultural e religiosa, e a proteção dos direitos humanos dos povos, que,
indistintamente, habitavam as Américas antes dos europeus.
Os pormenores do
surgimento do sistema interamericano não integram este trabalho, embora seja
necessário, ainda que superficialmente, abordar seus aspectos institucionais no
estado em que se encontram.
O sistema
interamericano de proteção aos direitos humanos é amparado por quatro
instrumentos principais: a Carta da Organização dos Estados Americanos - OEA
(1948); a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), que
detalha os direitos mencionados na Carta da OEA; a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto
de San José da Costa Rica, e o Protocolo Adicional à Convenção em Matéria
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador (1988).
A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Resolução VIII da V Reunião de
Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, ocorrida em Santiago do Chile
(1959), e a Corte Interamericana, com competência contenciosa e consultiva, compõem
o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, integrantes da
Organização de Estados Americanos. A Corte foi criada pela Convenção Interamericana
de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José
da Costa Rica, que, simultaneamente, ampliou as atribuições da Comissão.
A
Comissão Interamericana cumpre a função de realizar um juízo de delibação sobre
a existência de infrações aos direitos humanos nos países signatários da Convenção.
Por isso, na sua prática diária, e em atenção ao que determina o seu ato
instituidor, a Comissão realiza um juízo de admissibilidade das petições, que
lhe são submetidas por qualquer pessoa ou
grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou
mais Estados membros da Organização (art. 44 da Convenção).
O primeiro passo na internacionalização de uma
alegada infração regional aos direitos humanos é a análise da admissibilidade
perante a Comissão. Em seguida, após a conclusão do exame de mérito, o órgão
poderá deliberar pela submissão da alegada infração à Corte.
Este trabalho objetiva examinar
os casos concretos em que a Comissão apreciou a admissibilidade de alegadas
violações a direitos indígenas e, mais especificamente, situações que envolvem demandas
territoriais. Em outras palavras, o propósito é identificar as circunstâncias
fáticas e jurídicas que determinaram a admissibilidade de demandas territoriais
indígenas no âmbito da Comissão. Justifica-se a ênfase nos aspectos
territoriais pelos enfoques econômicos indiscutíveis que a propriedade
fundiária tem em países cujas riquezas nacionais repousam, sobretudo, sobre commodities minerais e produtos
agrícolas, e pela importância que a relação com a terra tem para o próprio
desenvolvimento dos povos autóctones.
A partir do exame
desses casos concretos, será traçado um padrão, identificando-se uma constante
nos posicionamentos da Comissão na interpretação dos requisitos de
admissibilidade com relação a esses casos concretos. Dito de outra forma, buscam-se os critérios determinantes da Comissão na apreciação
dos requisitos genéricos de admissibilidade, quando aplicados a casos
concretos.
Desde já, antecipa-se
que não faz parte do recorte metodológico deste trabalho avaliar as
consequências concretas da admissibilidade, ou seja, se houve solução amistosa
(possibilidade contida na Convenção), ou encaminhamento do tema à Corte
Interamericana. Certamente, pela importância desses temas paralelos, eles merecerão
trabalhos independentes.
O artigo destina-se não
só a policymakers, responsáveis por políticas públicas
nos ambientes domésticos, mas também a todos os interessados, em qualquer nível
ou posição, no reconhecimento de direitos territoriais indígenas. Busca-se
identificar as circunstâncias em que se torna possível, concretamente, o salto
do sistema doméstico para o sistema regional.
Para fins
metodológicos, a análise se limitará aos casos submetidos à Comissão no período
que se inicia com a instituição da Relatoria de Povos Indígenas (1990),
destinada à especialização na abordagem dessas matérias.
Na primeira parte do
trabalho, será abordada a admissibilidade em termos gerais, assim como as
linhas orientadoras que a Comissão adotou na sua avaliação. Na segunda parte,
mais especialmente, serão apreciados os casos em que a Comissão apreciou
demandas territoriais indígenas e deliberou seu acolhimento e viabilidade.
1 O EXAME DE ADMISSIBILIDADE DE
PETIÇÕES PERANTE A COMISSÃO INTERAMERICANA
A jurisdição
interamericana de direitos humanos, por seu sistema integrado pela Comissão e
pela Corte, age de modo subsidiário aos sistemas domésticos (MAZZUOLI, 2010).
Por essa razão, a
admissibilidade inicial perante a Comissão pode ser interpretada como o
primeiro passo para a internacionalização de uma alegada ofensa aos direitos
humanos. Para tanto, será apresentada, no item seguinte, uma tipologia genérica
dos critérios de admissibilidade e, em seguida, aspectos específicos
relacionados ao modo como a Comissão as têm interpretado.
1.1
Princípios orientadores da
admissibilidade na Convenção Interamericana
Os requisitos gerais de
admissibilidade das petições submetidas à Comissão estão previstos nos artigos
46 e 47 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, e podem ser sintetizados nos
seguintes termos:
a) exaurimento
da jurisdição doméstica e proposição dentro do prazo de seis meses, a partir da
data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da
decisão definitiva (art. 46, 1, ‘a’ e ‘b’);
b)
ausência de litispendência internacional (art. 46, 1, ‘c’) ou, se não houver coisa julgada internacional,
pela reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão
ou por outro organismo internacional (art. 47, ‘d’);
c) legitimidade ativa (art. 46,
1, ‘d’);
d) pertinência temática (narrar violação a direitos
protegidos pela Convenção (art. 47, ‘b’);
e) não for
manifestamente infundada ou improcedente (art. 47, ‘c’).
Nesse
cenário, verifica-se que parte dos requisitos de
admissibilidade dizem respeito à forma, e os demais, ao mérito ou a questões
de fundo, que são analisadas nessa fase, in
status assertionis.
Dizem
respeito - sobretudo à forma - a análise do exaurimento da jurisdição doméstica
e a proposição dentro do prazo de seis meses, a ausência de litispendência ou
coisa julgada internacional e a legitimidade ativa.
De outra
parte, relacionam-se com a questão de fundo a avaliação da pertinência temática
e se a petição dirigida à Comissão não é manifestamente infundada ou
improcedente.
1.2 O exame da admissibilidade no âmbito da
Comissão Interamericana em casos concretos
Na apreciação dos casos concretos
submetidos à sua competência, em várias oportunidades a Comissão apreciou os
requisitos de admissibilidade já apresentados. O objetivo, antes de evidenciar
propriamente a análise dos requisitos de admissibilidade nos casos de demandas
territoriais indígenas, é identificar orientações genéricas sobre como
interpretar tais condições.
Destaca-se, preliminarmente, que
a Corte Interamericana, caso provocada pela Comissão, poderá reexaminar as
condições de admissibilidade. Naturalmente, a possibilidade ou não de reexame
expõe uma dissonância potencial entre os órgãos integrantes do sistema
interamericano. A Corte, em seus pronunciamentos, reiteradamente reafirma sua
competência para reapreciar as condições, não obstante a contrariedade da
Comissão. Concretamente, a possibilidade de reexame das condições perante a
Corte, segundo André de Carvalho Ramos (2013), provoca um desequilíbrio entre
as partes, uma vez que o Estado, ao ver rejeitadas suas teses de
inadmissibilidade perante a Comissão, pode reiterá-las perante a Corte, ao
passo que as demais partes não contam com nenhum recurso à Corte em caso de
acolhimento de alguma das teses de inadmissibilidade. Entretanto, ao exame dos casos
concretos, é notório que, ao menos com relação aos direitos territoriais
indígenas, não houve, no período abrangido, nenhum caso de inadmissibilidade
perante a Comissão.
1.2.1 Requisitos
de admissibilidade formais
Preliminarmente, antes de
apreciar o mérito in status assertionis das petições que lhe são dirigidas, a
Comissão examina requisitos formais da demanda, quais sejam, conforme o seu
regulamento próprio: a)
exaurimento da jurisdição doméstica e
proposição dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido
prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva;
b) a legitimidade ativa; e c) ausência de litispendência ou coisa julgada internacional, pela
reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou
por outro organismo internacional.
1.2.1.1 Exaurimento da jurisdição doméstica
e proposição dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido
prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva (art.
46, 1, ‘a’ e ‘b’)
No caso
específico do exaurimento da jurisdição doméstica e da propositura da petição
no prazo previsto, a Convenção fornece instrumentos para interpretar se a
situação narrada atende a esse requisito. O art. 46, item 2,
alíneas ‘a’, ’b’ e ‘c’, informa que não se exigirá o exaurimento ou a atenção
ao prazo quando não existir, na legislação interna do Estado, o devido processo
legal para a proteção do direito ou dos direitos supostamente violados; quando não
se tiver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos
recursos da jurisdição interna, ou se tiver sido ele impedido de esgotar esses
recursos; e, por fim, se houver demora injustificada na decisão sobre os
mencionados recursos, visto que há dever internacional atribuído
ao Estado de fornecer os meios judiciais competentes para a apreciação de
violações aos direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 1997).
Em síntese,
não se exigirá o exaurimento doméstico ou a atenção ao prazo quando a ordem
jurídica não fornecer instrumentos processuais adequados ou, ainda que
existentes, houver demora injustificada na apreciação das violações aos
direitos humanos, como foram os casos Caballero Delgado vs. Colômbia (1994) e Velazquez Rodrigues (1988), mencionados por Buergenthal, Shelton, Stewart (2009).
Além das
exceções supracitadas, a Corte reconheceu, nos seus julgados, mais três: a) quando
o recurso disponível for inidôneo; b) quando for inútil (por exemplo, já há jurisprudência
do tribunal superior interno em sentido diverso); ou c) quando faltam
defensores ou há barreiras de acesso à Justiça (RAMOS, 2013).
Com relação
ao exaurimento da jurisdição doméstica, o Regulamento da Comissão
Interamericana, em seu art. 31, 3, atribuiu ao Estado o ônus de provar que os
recursos não foram esgotados quando o peticionário alegar a impossibilidade de
comprovar o requisito, a menos que isso se deduza claramente dos autos. Na
análise do quesito, a Comissão sinaliza uma redistribuição do ônus da prova das
alegações do peticionário, certamente em atenção à hipossuficiência do
requerente em face dos requeridos: os Estados acusados de infração aos direitos
humanos, sendo o principal caso a respeito do ônus atribuído ao Estado o de Fairen Garbi (1987).
De outra
parte, o mesmo regulamento, com relação ao prazo para a propositura da petição,
prevê, em seu art. 32, que, nos casos em
que sejam aplicáveis as exceções ao requisito de esgotamento prévio dos
recursos internos, a petição deverá ser apresentada dentro de um prazo
razoável, a critério da Comissão. Para tanto, ela considerará a data em
que ocorreu a presumida violação dos direitos e as circunstâncias de cada caso.
Contudo, Mazzuoli
acentua que
Na prática do sistema
interamericano, a regra do prévio esgotamento dos recursos internos tem sido
(com absoluta coerência) interpretada restritivamente, mitigando-se o seu
alcance quando, comprovadamente, a vítima da violação dos direitos humanos não
tiver os meios e as condições necessárias para esgotar os recursos judiciários
internos, antes de deflagrar o procedimento perante a Comissão Interamericana (MAZZUOLI,
2010, p. 87-110).
Mazzuoli ressalta
ainda que, nesses casos, “pode o Estado ser, inclusive, responsabilizado
internacionalmente, justamente por não ter provido o indivíduo de meios
jurídicos hábeis para reparar o dano que lhe foi causado em decorrência da
violação de direitos humanos” (MAZZUOLI, 2010, p. 87-110).
A necessidade de exaurimento das
vias domésticas foi o fundamento para a inadmissibilidade da única petição
interestatal submetida à Comissão até hoje: Nicarágua vs. Costa Rica, julgada em 8/3/2006 (BUERGENTHAL, SHELTON, STEWART,
2009).
Sobre a necessidade de alegação,
por parte do Estado, perante a Comissão, da exceção de admissibilidade por
ausência de esgotamento dos recursos internos, entendeu a Corte que ela deverá
ser deduzida perante a própria Comissão, sob pena de
preclusão ou de desistência tácita dessa objeção, como no caso Castillo Paez vs.
Peru, com sentença datada de 30/1/1996 (RAMOS, 2013).
A propósito, a Corte e
a Comissão têm sustentado que
[…] segundo os
princípios do Direito Internacional, geralmente reconhecidos, e a prática
internacional, a regra que exige o prévio exaurimento dos recursos internos
está concebida no interesse do Estado, pois busca dispensá-lo de responder
perante um órgão internacional por atos que lhe imputem, antes de haver tido a
oportunidade de remediá-los com seus próprios meios (COMISIÓN INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS,
Informe nº 5/04/2004).
1.2.1.2 Legitimidade ativa
O art. 46, 1, ‘d’ não menciona,
especificamente, a legitimidade ativa, porém exige que a petição dirigida à
Comissão contenha o nome, a
nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas, ou
do representante legal da entidade que submeter a petição. A exigência
atende à necessidade de comprovar que os peticionantes se encontram na condição
prevista no art. 44 da mesma Convenção, cujo teor “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental
legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode
apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação
desta Convenção por um Estado-Parte”.
A
possibilidade de que qualquer pessoa possa provocar o processamento
internacional de uma alegada ofensa aos direitos humanos, dirigindo-se à
Comissão, constitui, como ensina Mazzuoli
(2010, p. 87-110),
Uma exceção à cláusula facultativa (que permite que o
Estado-parte se manifeste se aceita ou não esse mecanismo), uma vez que
a Convenção permite que qualquer pessoa ou grupo de pessoas (sejam elas
nacionais ou não) recorram à Comissão Interamericana independentemente de
declaração expressa do Estado reconhecendo esta sistemática.
Ademais,
o sistema da Convenção não exige sequer que o peticionante seja a própria
vítima ou vítimas (BUERGENTHAL, SHELTON, STEWART, 2009).
1.2.1.3 Ausência de litispendência ou coisa
julgada internacional, pela reprodução de petição ou comunicação anterior, já
examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional
O Regulamento
da Comissão Interamericana trata de modo indistinto as circunstâncias em que, segundo
a teoria geral do processo, se evidenciaria litispendência ou coisa julgada[1]. A
normativa, em seu art. 33, qualifica as situações de litispendência e de coisa
julgada genericamente como duplicação de processos, prescrevendo que a Comissão
(art. 33, 1, ‘a’ e ‘b’) não considerará uma petição nos casos em que a
respectiva matéria se encontre pendente de outro processo de solução perante a organização
internacional governamental de que seja parte o Estado aludido, ou constitua
substancialmente a reprodução de uma petição pendente ou já examinada e
resolvida pela Comissão ou por outro organismo internacional governamental de
que faça parte o Estado aludido.
O
próprio Regulamento da Comissão, em seu art. 33, 2, elenca os casos em que a
Comissão apreciará as petições, independentemente de uma aparente duplicação. A
Comissão apreciará os casos a ela submetidos quando: a) o procedimento seguido
perante o outro organismo limitar-se ao exame geral dos direitos humanos no
Estado aludido, e não existir uma decisão sobre os fatos específicos que forem
objeto da petição ou não conduzir à sua efetiva solução; b) o peticionário
perante a Comissão for a presumida vítima da violação ou algum familiar seu, e o peticionário perante o outro organismo for uma
terceira pessoa ou uma entidade não governamental, sem mandato dos primeiros.
Na primeira
exceção, há um cenário de continência, quer dizer, a aludida infração está
contida na primeira petição submetida a outro organismo internacional, porém
não tem tratamento específico. No segundo caso, o que se reconhece é a ausência
de identidade de partes.
1.2.2 Requisitos
de admissibilidade de fundo ou mérito
Superados os obstáculos formais,
a Comissão passa, então, a examinar a plausibilidade substantiva da demanda, a
partir da avaliação, em primeiro lugar, da: a) pertinência temática; e, em
segundo lugar, b) da plausibilidade da petição.
1.2.2.1 Pertinência temática (narrar
violação a direitos protegidos pela Convenção, art. 47, ‘b’, da Convenção)
Em
princípio, como órgão da Convenção, a Comissão examina ofensas aos direitos
humanos consagrados no Pacto de San José
da Costa Rica. O art. 29, alínea
‘b’, do referenciado Pacto, no entanto, permite estender os limites
interpretativos dos seus dispositivos, determinando que
Nenhuma
disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a)
permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o
exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em
maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer
direito ou liberdade que possa ser reconhecido em virtude de leis de qualquer
dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos
referidos Estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao
ser humano, ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; d)
excluir ou limitar o efeito que possa produzir a Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza (MAZZOULI,
2010, p. 87-110).
Por essa
razão, os Estados que não são signatários da Convenção não se desobrigam de adequar-se
aos termos da Carta da OEA e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem. Nesse caso, no entanto, a Comissão, que antecedeu historicamente a Corte,
não atuará especificamente como órgão da Convenção, mas como órgão da OEA (“órgão
da Carta”); e, em caso de admissibilidade e de intervenção da Comissão,
eventual desconsideração ou descumprimento por parte do Estado não signatário
da Convenção poderá determinar o encaminhamento da questão à Assembleia da Organização
dos Estados Americanos (MAZZOULI, 2010; BUERGENTHAL, SHELTON, STEWART, 2009).
1.2.2.2 Plausibilidade da petição (não for
manifestamente infundada ou improcedente, art. 47, ‘c’, da Convenção)
Por fim, a plausibilidade da
petição pode ser interpretada como existência de fundamentos mínimos, fáticos
ou jurídicos, que não se confundem com os aspectos formais supra-abordados;
naturalmente, a plausibilidade será examinada in status assertionis, relegando-se às
fases futuras do procedimento na Comissão e na Corte eventuais controvérsias
fáticas.
2 O EXAME DE ADMISSIBILIDADE EM TERMOS ESPECÍFICOS:
AS DEMANDAS TERRITORIAIS INDÍGENAS
Nessa parte, o objetivo
é avaliar como a Comissão tem apreciado os requisitos de admissibilidade nas
inúmeras demandas territoriais indígenas submetidas ao órgão, sobretudo a
partir da criação da Relatoria de Povos Indígenas, em 1990.
Os requisitos serão
analisados à luz do que se expôs a respeito das condições genéricas de
admissibilidade.
2.1 Os territórios
indígenas: papel dos sistemas regionais de direitos humanos
As demandas e petições
a respeito de direitos indígenas não se limitam aos casos de postulações
territoriais. No entanto, no presente trabalho, por decisão metodológica, serão
analisadas apenas as petições protocoladas perante a Comissão a partir de 1990,
contendo demandas territoriais.
Como destacado anteriormente,
essas demandas representam uma diferença específica - e de qualidade - com
relação às submetidas aos demais sistemas regionais de proteção de direitos
humanos. A proximidade geográfica e a identidade histórica e cultural exercem um
elemento decisivo nas alegadas violações a direitos humanos a serem submetidas
aos sistemas regionais instituídos para a sua proteção.
2.2 Casos
específicos de admissibilidade na Comissão em demandas territoriais indígenas:
busca de padrões
A partir dos dados
disponibilizados pela Comissão Interamericana, identificam-se algumas petições
protocoladas perante o órgão em que foram apreciadas suas admissibilidades. O
quadro a seguir indica o número do informe de admissibilidade, os indivíduos ou
a comunidade afetada, o país demandado, a data da
decisão e o juízo sobre sua admissibilidade ou não.
Número do Informe de Admissibilidade |
Indivíduos ou Comunidade afetada |
País demandado |
Data da decisão |
Admitida / Não admitida |
99/99 |
Mary y Carrie
Dann |
Estados Unidos |
27/9/1999 |
Admitida |
78/00 |
Comunidades Indígenas Mayas y seus membros |
Belize |
5/10/2000 |
Admitida |
02/02 |
Comunidade indígena Yakye Axa do povo Enxet-Lengua |
Paraguai |
27/2/2002 |
Admitida |
11/03 |
Comunidade indígena Xákmok Kásek do povo Enxet |
Paraguai |
20/2/2003 |
Admitida |
12/03 |
Comunidade indígena Sawhoyamaxa do povo Enxet |
Paraguai |
20/2/2003 |
Admitida |
62/04 |
Povo Indígena Kichwa
de Sarayaku e seus membros |
Equador |
13/10/2004 |
Admitida |
29/06 |
Comunidade Garífuna
Triunfo da Cruz e seus membros. |
Honduras |
14/3/2006 |
Admitida |
78/06 |
Comunidades
aborígenes Lhaka Honhat
(Nuestra Tierra) |
Argentina |
21/10/2006 |
Admitida |
80/06 |
Membros da comunidade indígena de Ananas e outros |
Brasil |
21/10/2006 |
Admitida |
39/07 |
Comunidade Garífuna
de Cayos Cochinos e seus
membros |
Honduras |
24/7/2007 |
Admitida |
55/07 |
Comunidade indígena Kelyenmagategma do povo Enxet-Lengua
e seus membros |
Paraguai |
24/7/2007 |
Admitida |
76/07 |
Povos Kaliňa
e Lokono |
Suriname |
15/10/2007 |
Admitida |
58/09 |
Povo indígena Kuna
de Madungandí e Embera de
Bayano e seus membros. |
Panamá |
21/4/2009 |
Admitida |
75/09 |
Comunidades indígenas Ngöbe y seus membros no vale do Rio Changuinola |
Panamá |
5/8/2009 |
Admitida |
98/09 |
Povo indígena Xucurú |
Brasil |
29/10/2009 |
Admitida |
105/09 |
Grupo de Tratado Hul’qumi’num |
Canadá |
30/10/2009 |
Admitida |
141/09 |
Comunidade Agrícola Diaguita dos Huascoltinos e seus
membros |
Chile |
30/12/2009 |
Admitida |
63/10 |
Comunidade Garífuna
Punta Piedra e seus
membros |
Honduras |
24/3/2010 |
Admitida |
125/10 |
Povos Indígenas de Raposa Serra do Sol |
Brasil |
23/10/2010 |
Admitida |
87/12 |
Comunidades Maya Kaqchikel
de los Hornos e El Pericón
I e seus membros |
Guatemala |
8/11/2012 |
Admitida |
09/13 |
Comunidade Indígena Kaliña de Maho |
Suriname |
19/3/2013 |
Admitida |
Na busca de padrões
para analisar as demandas territoriais indígenas, podem-se encontrar os
seguintes aspectos específicos:
a)
Ônus do demandado de demonstrar os meios domésticos não esgotados:
em vários
precedentes, a Comissão, na mesma linha da Corte, atribuiu ao demandado - o
Estado - o ônus de comprovar a existências de meios judiciais domésticos não
exauridos (Kalina de Maho vs. Suriname, 2013);
b)
Prazo razoável para a interposição perante a Comissão:
quando reconhecida a ausência de meios domésticos efetivos, a Comissão procede
a um exame pormenorizado do caso concreto. Reconheceu, por exemplo, que é razoável
o protocolo da petição quando não há instrumentos para a proteção do direito no
âmbito doméstico, a expulsão das terras ocorreu em março, e o protocolo da petição
à Comissão, em dezembro do mesmo ano (Kalina de Maho vs.
Suriname, 2013);
c)
Afastamento voluntário das comunidades das terras disputadas:
em pelo menos uma oportunidade (Kalina de Maho vs. Suriname,
2013), a Comissão apreciou matéria defensiva, que consistia em alegar que as
comunidades se afastaram de suas terras voluntariamente, e não por ação do
Estado. Nessa ocasião, a Comissão conheceu a petição, considerando que a tese
defensiva se confundia com o próprio mérito, a ser provado nas fases
subsequentes;
d)
Insuficiência das ações possessórias como meio hábil para proteção de terras
indígenas: em pelo menos um caso, a Comissão reconheceu que a
existência de ações possessórias no direito doméstico não seria suficiente para
a proteção efetiva dos direitos territoriais indígenas (Comunidades Maya Kaqchikel de los Hornos e El Pericón I e seus membros vs. Guatemala, 2012);
e)
Infrações continuadas: diante de infrações continuadas, a
Comissão tem mitigado o prazo de 6 meses para o
protocolo da petição (Comunidades Maya Kaqchikel de los Hornos e El Pericón I e seus
membros vs. Guatemala, 2012; Kalina e Lokono vs. Suriname, 2007);
f)
Ausência de reconhecimento jurídico das formas tradicionais de posse, de
personalidade jurídica coletiva ou de instrumentos de postulação coletiva:
a Comissão, na linha de julgados da própria Corte, admite que há infração da Convenção quando não ocorre reconhecimento
jurídico das formas tradicionais de posse da terra, assim como a não distinção de
personalidade jurídica ou de instrumentos para postulação coletiva,
infringindo-se o art. 21 da Convenção, que reconhece o direito à propriedade
privada. Há, segundo a Comissão, uma obrigação positiva de adotar medidas
especiais para garantir aos integrantes dos povos indígenas e tribais o
exercício pleno e igualitário do direito aos territórios que usaram e ocuparam
tradicionalmente (Comunidade Garífuna Punta Piedra e seus membros vs. Honduras, 2010). Esse entendimento
foi confirmado posteriormente na Corte I.D.H, no Caso do Povo Saramaka
vs. Surinam (julgado em 28/11/2007), assim como
em Comunidade Mayagna
(Sumo) Awas Tingni vs.
Nicarágua (julgado em 31/8/2001),
Comunidade Indígena Yakye Axa
vs. Paraguay (julgado em 17/06/2005) e Comunidade
Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay
(29/03/2006);
g)
Existência de impugnação judicial por outros interessados:
conforme a Comissão, a tramitação de ações de terceiros, por vezes contrárias
às demarcações, não impede o conhecimento da petição, sob o argumento de não
terem sido exauridos os meios domésticos. É o caso, ainda sob
apreciação da Comissão, da demarcação da Raposa Serra do Sol, em que pendia
o julgamento de ação popular proposta por terceiros interessados em revisar o
processo demarcatório (Povos indígenas de Raposa Serra do Sol vs. Brasil, 2010);
h)
Aplicação da Declaração Americana: em alguns casos,
sobretudo em se tratando de países que ratificaram tardiamente a Convenção, a
Comissão tem apreciado os fatos à luz da Declaração Americana. No caso concreto
de Raposa Serra do Sol vs. Brasil
(2010), a Comissão entendeu terem sido violados, em tese, os artigos I, II,
III, VIII, IX, XVIII, XXIII da Declaração Americana. É o mesmo tratamento
atribuído a países que não ratificaram a Convenção (Grupo do Tratado Hul’qumi’num vs. Canadá, 2009; Comunidades Indígenas Mayas
y seus membros, 2000);
i)
Ações de garantias constitucionais: segundo a Comissão, o
emprego de ações de proteção de garantias constitucionais é suficiente para
comprovar o exaurimento dos meios domésticos (Comunidade Agrícola Diaguita dos Huascoltinos e seus
membros vs. Chile, 2009; Kichwa de Saraiaku vs. Equador, 2004);
j)
Jurisprudência doméstica desfavorável: em alguns casos,
quando confrontada com essa situação, a Comissão reconheceu que a existência de
jurisprudência doméstica desfavorável autoriza a dispensa do exaurimento dos
meios domésticos (Grupo de Tratado Hul’qumi’num
vs. Canadá, 2009);
k)
Ausência de consulta à comunidade como violação ao direito de participação
política: em vários casos, a Comissão interpretou a ausência
de qualquer consulta à comunidade a respeito da gestão de suas terras, ou a
falta de qualquer mecanismo de participação coletiva, como uma ofensa ao art.
23 da Convenção, que reconhece os direitos políticos de participação
(Comunidade Agrícola Diaguita dos Huascoltinos
e seus membros vs. Chile, 2009);
l)
Princípio do iura novit curia: a Comissão reconheceu
a possibilidade de enquadrar as alegadas infrações em quaisquer dos artigos da Convenção
ou da Declaração, independentemente da qualificação apresentada na petição. No
caso concreto do Povo Indígena Xucuru vs.
Brasil (2009), a Comissão qualificou as infrações anteriores à ratificação da Convenção
pelo Brasil, ocorrida em 25 de setembro de 1992, como feitas aos artigos XVIII
(direito de acesso à Justiça) e XXIII (direito de propriedade) da Declaração
Americana de Direitos Humanos. No mesmo sentido, requalificando as infrações, ao
apreciar a admissibilidade da petição apresentada pela Comunidade indígena Ngöbe vs. Panamá
(2009), a Comissão entendeu que as violações narradas se enquadram não apenas
nos artigos 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção
jurídica dos direitos) da Convenção Americana, mas também no art. 2º (dever de
adotar disposições de direito interno) e no art. 24 (igualdade perante a lei) da
Convenção;
m)
Duplicidade em caso de submissão a órgãos internacionais com atribuições
diversas:
a Comissão reconheceu não haver duplicidade de processos quando aspectos
da mesma suposta infração foram noticiados a órgãos de natureza diversa da Comissão,
como no caso do Comitê para Eliminação da Discriminação Racial - CERD -, vinculado
ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Povos Kaliňa e Lokono vs. Suriname, 2007);
n)
Relação entre dispositivos da Convenção e da Declaração:
segundo a Comissão, uma vez que a Convenção entra em vigor com relação a um
Estado, é esse instrumento, e não a Declaração que passa a ser a fonte
específica do direito que aplicará a Comissão Interamericana (Comunidades
aborígenes Lhaka Honhat, Nuestra Tierra, vs. Argentina, 2006);
o)
Violação do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT:
com relação à alegação de violação das normas do Convênio 169 da OIT, que
dispõe sobre povos indígenas e tribais, a Comissão reconheceu não ter condições
para apreciar tais normas, ressalvando, no entanto, a possibilidade de empregar
o Convênio como pauta interpretativa de obrigações convencionais, como previsto
no art. 29 da Convenção (Comunidade Garífuna Triunfo
da Cruz e seus membros vs. Honduras,
2006).
Noutro julgamento, a
Comissão entendeu que o instrumento previsto no art. 16 do Convênio 169 da OIT,
qual seja, o dever de consultar previamente os povos indígenas antes de
reassentá-los, não configura meio doméstico a ser exaurido antes de transferir
a questão para o âmbito do sistema regional de proteção de direitos humanos (Comunidade
indígena Xákmok Kásek do povo
Enxet vs.
Paraguai, 2003).
3 CONCLUSÃO
A partir dos casos
concretos analisados, pode-se afirmar que a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos tem interpretado os requisitos de admissibilidade das petições em
sentido bastante favorável aos peticionários, facilitando o acesso ao sistema
regional de proteção de direitos humanos. A jurisprudência da Comissão,
portanto, facilita o ingresso de demandas territoriais indígenas, reforçando a
presença do sistema regional neste tema.
Observa-se, da mesma forma,
que alguns países têm sido demandados com maior frequência, destacando-se o
caso do Paraguai, com quatro demandas aceitas, e de Honduras, com três petições
admitidas.
Em praticamente todas
as petições, em algum momento foi avaliada a existência de instrumentos
judiciais hábeis para a proteção dos direitos humanos alegadamente ofendidos,
tendo sido a Comissão bastante rigorosa em relação a esse aspecto. Quer seja
pela demora, quer seja pela ineficiência do instrumento judicial colocado à
disposição das partes, a Comissão tem admitido as
petições embasadas na insuficiência dos instrumentos domésticos.
Cabe destacar, na
apreciação do mérito in status assertionis, que a Comissão reconhece como ofensiva aos
direitos humanos consagrados na Convenção e na Declaração, a ausência de
reconhecimento da posse tradicional da terra, em termos coletivos (não bastando
a distinção da mera propriedade privada), assim como a
não caracterização da personalidade jurídica coletiva e a ausência de
instrumentos coletivos de postulação em favor desses direitos.
Por fim, reitera-se que o recorte metodológico desta pesquisa focou a
admissibilidade das petições perante a Comissão, relegando-se a exame futuro a
questão relativa ao juízo pela submissão das questões à Corte e, conclusivamente,
as decisões da própria Corte a respeito das alegadas infrações que lhe foram
submetidas.
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Artigo
recebido em: 11/10/2016.
Artigo aceito em: 28/3/2017.
Como citar este artigo (ABNT):
MICHEL,
Voltaire de Freitas; DEITOS, Marc Antoni. A
Admissibilidade de Demandas Territoriais Indígenas na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos. Revista Veredas do
Direito, Belo Horizonte, v. 14, n. 28, p. ,
jan./abr. 2017. Disponível em: <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/905>.
Acesso em: dia mês. ano.
[1]Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, aprovado pela Comissão em seu 137° período ordinário de sessões,
realizado de 28 de outubro a 13 de novembro de 2009; e modificado em 2 de setembro de 2011 e em seu 147º período de
sessões, celebrado de 8 a 22 de março de 2013 para sua entrada em vigor em
1º de agosto de 2013.