Giselle Marques de Araújo
Doutora
em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA/RJ).
Mestre
em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF).
Professora
da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
E-mail:
giselle_marques@hotmail.com
RESUMO
O
artigo pretende esmiuçar o conteúdo da expressão “função ambiental da
propriedade privada”, verificando se a função ambiental seria espécie do gênero
“função social”, e a pertinência da frequente utilização do termo “função
socioambiental da propriedade”. Para tanto, insere a temática no contexto da
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, compreendendo direito de propriedade e
direito ao meio ambiente equilibrado como direitos historicamente conquistados
e modificados. Traz ao centro da análise hipóteses nas quais o interesse social
e o ambiental colidem, como é o caso da necessidade de assentamento de famílias
“sem terra” em áreas ambientalmente sensíveis. Na busca de um princípio
explicativo, a pesquisa utiliza o método indutivo-dedutivo proposto por
Aristóteles, resultando na conclusão de que função social e função ambiental da
propriedade, embora tenham uma base comum, apresentam conteúdos distintos, esta
voltada para a proteção e defesa do meio ambiente, aquela para a geração de
recursos (emprego e renda) e para a produção de alimentos, nem sempre sendo
correta a utilização da expressão “função socioambiental da propriedade”. Sob o
aspecto conceitual, defende a “função ambiental da propriedade” como desempenho
ou cumprimento da finalidade de conservação do meio ambiente como categoria que
carrega valor em si próprio.
Palavras-chave:
Meio ambiente. Direitos fundamentais. Interesse social.
ABSTRACT
The article intends to
deeply examine the substance of the expression “environmental function of the
private property”, verifying if the environmental function is a species of the
genre “social function” and the relevance of the frequent usage of the term
“social environmental function of property”. To accomplish that, it inserts the
theme in the context of the General Theory of Fundamental Rights, understanding
right to property and right to a balanced environment as rights historically
conquered and modified. Brings to the center of the analysis hypothesis in
which the social and environmental interests collide, such as the need of
settlement for landless families in environmentally sensitive areas. In search
for an explaining principle, the research uses the Inductive-Deductive Method
proposed by Aristotle, arriving in the conclusion that, even though the social
and environmental function of property share a common foundation, they both
share different substances, the first directed towards the protection and
defense of the environment, and the second to the generation of resources
(employment and income) and food production. Therefore, the usage of the
expression “social-environmental function of property” is not always adequate.
Regarding the conceptual aspect, defends “the environmental function of
property” as an output or fulfillment of the purpose of environmental
conservation, and as a category that carries value within itself.
Keywords: Environment. Fundamental
rights. Social interest.
Pouco se produziu em
termos de pesquisa científica no Brasil, no sentido de delinear o conteúdo da expressão
“função ambiental” da propriedade privada. A doutrina utiliza com frequência o
termo “socioambiental”, como se função social e ambiental traduzissem o mesmo significado.
Este artigo tem por objetivo contribuir com a definição do conteúdo da função
ambiental, destacando situações nas quais o interesse social e o ambiental
entram em rota de colisão.
A pesquisa foi
desenvolvida a partir da análise da tensão entre propriedade e meio ambiente, à
luz da discussão dos direitos fundamentais[1]
que, no caso brasileiro, estão em sua quase totalidade, enumerados no artigo 5º
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CR/88. O direito ao
meio ambiente equilibrado, no entanto, não consta desse rol: está insculpido no
artigo 225 dessa mesma Constituição. Segundo DERANI (1988,
p. 91), isto não
significa que não deva ser considerado um direito fundamental, “pois um direito
é fundamental quando o seu conteúdo invoca a liberdade do ser humano”.
A clássica obra “A Era
dos Direitos”, de Norberto Bobbio, é referência obrigatória quando se pretende
compreender os direitos fundamentais[2].
Segundo Bobbio (1992, p. 5), os direitos do homem, por mais fundamentais que
sejam, são direitos históricos, nascidos sob certas circunstâncias,
“caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, e nem de uma vez por todas”.
O direito de propriedade, em uma primeira fase
de seu desenvolvimento histórico, fundamentava-se na necessidade do indivíduo de
usufruir de uma liberdade negativa, consubstanciada na não intervenção do
Estado na esfera individual, classificado por Bobbio como “direito de primeira
geração”, nascido da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos. As
liberdades políticas e sociais, por sua vez, na visão de Bobbio, seriam
resultado do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos
trabalhadores assalariados, “dos camponeses com pouca ou nenhuma terra”, que
passaram a exigir do Estado “não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das
liberdades negativas”, mas também “a proteção do trabalho contra o desemprego”,
o direito à educação, à saúde, enfim, os direitos sociais, classificados por Bobbio
(1992, p. 6) como “de segunda geração”. Ao lado desses, emergiram os direitos
de terceira geração, que
[...]
constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o
direito de viver num ambiente não poluído. (grifamos)
É em face dessa
incerteza quanto ao conteúdo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e seus reflexos no âmbito do direito de propriedade que se desenvolve o
presente artigo, com o objetivo de contribuir para a compreensão desse fenômeno
acerca do qual as teorias existentes são ainda insuficientes, especialmente no
que diz respeito à definição do que seria, afinal, a “função ambiental” da
propriedade privada.
1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE SADIO
A consciência ecológica
avança a passos largos, estando presente, hoje, no arcabouço legislativo da
maioria dos países ocidentais. Sarlet (2008,
p. 50-51) identifica o
direito ao ambiente equilibrado entre os direitos fundamentais de “terceira
dimensão”:
Os
direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados direitos de
fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se
desprenderem, em principio, da figura do homem indivíduo como seu titular,
destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), caracterizando-se,
consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.
Algumas Constituições
incluem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no rol dos
direitos fundamentais. Na Europa, a Conferência das Nações Unidas sobre o meio
ambiente que se realizou em Estocolmo-Suécia, no ano de 1972, influenciou
decisivamente as Constituições dos povos que se libertavam de regimes
ditatoriais, como é o caso da Espanha e de Portugal. A Constituição da
República Portuguesa de 1976, no artigo 66, inseriu, entre os direitos
econômicos, sociais e culturais, “o direito a um ambiente de vida humano, sadio
e ecologicamente equilibrado”. Inspirada nesse dispositivo, a Constituição da
Espanha, em 1978, disciplinou, em seu artigo 45[3]:
Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente
adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo; 2)
Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos
naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de vida y defender y
restaurar el medio ambiente, apoyándose em la inexcusable solidariedad colectiva;
3) Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos
que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso,
administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.
No caso da Alemanha,
após a Conferência de Estocolmo, foram intensos os debates doutrinários sobre a
necessidade de incorporar o direito ao meio ambiente sadio no âmbito
constitucional. Apesar disso, somente em 1994 a Lei Fundamental desse país acolheu
o artigo 20a, cujo teor é o seguinte[4]:
Der Staat schützt auch in Verantwortung für die künftigen
Generationen die natürlichen Lebensgrundlagen im Rahmen der verfassungsmäßigen
Ordnung durch die Gesetzgebung und nach Maßgabe von Gesetz und Recht durch die
vollziehende Gewalt und die Rechtsprechung.
A Constituição alemã,
portanto, atribuiu ao Estado o dever de proteção ao meio ambiente, em vez de
instituir um direito fundamental ao ambiente. Ainda assim, a doutrina daquele
país atribui peso considerável ao mencionado princípio. É o caso do Professor Calliess
(2001,
p. 18-23)[5], para quem esse dispositivo
constitucional, na medida em que vinculou o legislador à produção de normas de
proteção ambiental, permitiu o controle judicial em face da proibição de
proteção deficiente, à semelhança da perspectiva objetiva dos direitos
fundamentais, e em consonância com a formulação de Canaris (2009,
p. 36).
A obra de Calliess
apresenta uma análise da tensão efetiva e potencial entre a proteção ambiental
e a proteção aos direitos fundamentais, que seria a função central do Estado de
Direito. Essa tensão verifica-se em situações nas quais a proteção ambiental
colide com direitos fundamentais, como o direito de propriedade, que é também o
núcleo central do presente artigo. Por isso, a reflexão de Callies pode ser
utilizada para verificar se o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado constitui-se em um “direito fundamental”.
Ainda que, no caso da
Alemanha, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não esteja
entre os direitos fundamentais, Callies (2001, p. 29) defende que a proteção
ambiental é, atualmente, condição de legitimidade[6]
do Estado. Por isso, o Estado deve tomar o devido cuidado para que os riscos de
dano aos bens individuais fundamentais não se tornem tão grandes, a ponto de se
transformarem em um perigo no sentido jurídico. O Estado de Direito, segundo Callies,
deve prestar atenção ao fato de que deve coordenar as esferas de direito dos
cidadãos em função de uma máxima liberdade possível, afastando as concepções
que possam resultar numa “ecoditadura”.
Em outras palavras, a
tarefa de proteção ambiental que o artigo 20a da Constituição da Alemanha atribuiu
ao Estado não pode significar um “déficit de
Estado de Direito”. Como efetivar isso? Callies propõe que o Estado, em meio a
medidas restritivas e realizadoras da liberdade, realize uma ponderação o mais
protetora possível da liberdade e, com isso, digna de um verdadeiro Estado de
Direito.
A
ponderação proposta por Callies vai além das discussões sobre colisão entre
direitos fundamentais, que se tornaram bastantes conhecidas no Brasil a partir
das contribuições de Alexy (2008, p. 85)[7] e Dworkin (2002, p.
40-42)[8]. Ele argumenta
que as colisões não são mais bipolares, mas sim “multipolares”. E é nessa
perspectiva que, mesmo sem a inserção expressa do direito ao ambiente no
catálogo dos direitos fundamentais na Alemanha, seria possível naquele sistema
jurídico a identificação de um “Estado Ambiental”, termo que evidencia a
necessidade de considerar o divisor de águas no qual se encontra o Estado de
Direito em relação à tensão entre proteção ambiental e garantia de outros
direitos fundamentais, dentre os quais o direito de propriedade.
Considerando-se que a
atividade humana quase sempre implicará a alteração das condições naturais, o foco
do “Estado Ambiental” estaria nos critérios de definição para melhores
condições ambientais, entre os quais Callies destaca o princípio da precaução e
o postulado do desenvolvimento sustentável. Essas seriam diretrizes a serem
também observadas na interpretação judicial das questões que envolvem o meio
ambiente. O Estado, portanto, tem a tarefa de não deixar o desenvolvimento
seguir livremente em uma época na qual o avanço tecnológico caminha a passos
largos, e sim de dar direção a esse desenvolvimento. Desse poder-dever do
Estado, resultaria um duplo monopólio da força estatal, de modo que os deveres
de proteção ambiental do Estado fixados pelo artigo 20a da Constituição alemã
estariam fortalecidos a ponto de serem colocados em igual força em relação aos
direitos fundamentais, na perspectiva subjetiva individual.
Os interesses de
direito subjetivo e objetivo seriam, em um primeiro momento, realizados na
dimensão da defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos subjetivamente
protegidos; no segundo momento, pela dimensão dos deveres de proteção decorrentes
de direitos fundamentais. No terceiro momento, pelo interesse comum de proteção
ambiental pelo Estado, conforme disciplinado no artigo 20a. Esses interesses
não poderiam ser tratados de forma isolada, e sim conjuntamente, dentro de uma
perspectiva de ponderação, na linha da concepção de Robert Alexy. Para além da
fórmula da ponderação de Alexy, no entanto, a proposta de Callies é desenvolver
um exercício de proporcionalidade que seja multipolar para solucionar os casos
concretos que surgem quando se articula um Estado Ambiental em um Estado de
Direito.
Assim, mesmo sem o
reconhecimento expresso da Lei Fundamental Alemã do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, a doutrina, naquele
país, expressa a proteção ambiental como condição de legitimidade do Estado de
Direito. O que dizer, então, dos países nos quais as Constituições vigentes
incluíram o direito ao meio ambiente saudável no rol dos direitos fundamentais?
Não são poucas as vozes que o afirmam como direito fundamental. Canotilho e
Moreira (1993, p. 37) dizem que o direito ao meio ambiente é
um dos “novos direitos fundamentais”. Raposo (1994,
p. 15) considera-o
“direito da personalidade e, simultaneamente, um direito e uma garantia
constitucional”. Prieur (2004, p.18) avança no sentido de dizer que a
proteção do ambiente não está ligada ao non facere do
Estado, mas, ao contrário, exige prestações positivas do Estado, em reforço aos
deveres infraconstitucionais de garantia pelas autoridades públicas dos
processos ecológicos essenciais. A inclusão do direito ao meio ambiente
equilibrado no rol dos direitos fundamentais traz consigo avanços que vão muito
além de um abstrato impacto político e moral, podendo resultar em benefícios
significativos no relacionamento do ser humano com a natureza.
Conclui-se, portanto,
que o meio ambiente tem sido considerado, por parte das Constituições
democráticas contemporâneas, como um direito fundamental. É necessário, no
entanto, avançar ainda mais, romper com a visão antropocêntrica[9]
a respeito do meio ambiente, em direção a uma nova concepção segundo a qual o
meio ambiente deve ser respeitado por si próprio, por ser dotado de valor
intrínseco.
Há quem defenda a
proteção do ambiente como necessariamente voltada para os interesses humanos. Fiorillo
(2006, p.16), por exemplo, afirma que “o direito ambiental tem uma necessária
visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a
este a preservação das espécies, incluindo a sua própria”. Mas vêm sendo
construídas teorias alternativas a essa concepção, como é o caso do
ecocentrismo (também denominado fisiocentrismo), e do biocentrismo; segundo Kässmayer
(2008, p. 140) os fisiologistas buscam justificar a proteção da natureza de modo
a afirmar ser ela passível de valoração própria, independentemente de
interesses econômicos, estéticos ou científicos. O biocentrismo enfoca apenas
os seres com vida, sejam individuais ou coletivos.
É possível citar,
ainda, o personalismo ecologista, que, assim como o
antropocentrismo, também considera a natureza como um valor instrumental,
colocando o homem acima dos outros seres que não têm capacidade de abstração e,
por consequência, não estão aptos a produzir cultura e nem exercer a liberdade,
afastando-se dos instintos. A diferença entre ambos é que o personalismo vê o
ser humano como guardião da natureza.
Interessante lembrar
aqui a visão de Kant (2007, p. 23), no sentido de que há coisas que têm valor
em si, como é o caso da boa vontade. A boa vontade não é boa por aquilo que
promove; ela se constitui como alguma coisa que, em si mesma, tem o seu pleno
valor, “deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que, por seu
intermédio, possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo,
se se quiser da soma de todas as inclinações”. Nessa linha de reflexão,
defende-se, neste estudo, que o meio ambiente deve ser respeitado por seu valor
intrínseco, e não apenas por sua utilidade para o ser humano.
Na seção anterior,
ficou claro que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem sido
considerado, nas Constituições democráticas modernas, como um direito
fundamental. E, mesmo nos casos em que ele não alcança este status, a exemplo da
Alemanha, cuja Constituição atribuiu ao Estado o dever de proteger o meio
ambiente em vez de instituir um direito fundamental ao ambiente, tal dever do
Estado estaria fortalecido a ponto de ser colocado em igual força em relação
aos direitos fundamentais na perspectiva subjetiva individual. Mas, nesse novo
momento, em que o direito ao ambiente exsurge como direito fundamental, o
direito de propriedade continuaria a ser um direito fundamental?
Rodotá (1990, p. 12)
destaca a necessidade de superação do direito de propriedade como “um direito
terrível”, aquele exercido pelo proprietário contra todos os demais membros da
sociedade, erga omnes no sentido mais literal e
negativo do termo, com frequência associado à concentração de riquezas e à
exclusão social. O desenvolvimento histórico dos direitos humanos implica uma
releitura desse direito de propriedade, em consonância com a visão de Bobbio
(1992, p. 4), no sentido de que “a afirmação dos direitos do homem deriva de
uma radical inversão na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos”, por meio
das quais se vai afirmando o direito de resistência à opressão, ou seja, o
direito do indivíduo a não ser oprimido e a gozar de algumas liberdades
fundamentais. Entre estas liberdades fundamentais, encontra-se o direito de
propriedade, intrinsecamente ligado ao direito à liberdade, um direito à não
intervenção estatal.
Nessa passagem,
verifica-se como a questão do direito à liberdade continua presente e atual.
Não ficou estagnada no tempo, como um direito de uma época passada. Renovou-se
ao assumir um novo conteúdo, composto não mais exclusivamente pela taxativa
proibição de intervenção estatal, mas também por imperativos de tutela, na
linha do que defende. Sem (2000, p. 54) quando fala das “liberdades
instrumentais”, que seriam aquelas que contribuem, direta ou indiretamente,
para as liberdades globais que as pessoas têm para viver como desejariam. Essa
metamorfose que permeia o conteúdo da liberdade foi destacada por Lira (1997,
p. 107):
O
conceito de liberdade se redefine ao longo do tempo. Tem seus contornos
alterados em função das circunstâncias históricas, em função do
desenvolvimento, contenção e liberação das forças econômicas.
Daí
a variabilidade do seu conteúdo, que não se conserva o mesmo.
Ricardo Lira traz à luz
a definição de André Lalande, segundo a qual a liberdade pode ser tomada em
três sentidos. No sentido geral, liberdade seria “o estado de ser que não sofre
constrangimento, agindo conforme a sua vontade, a sua natureza”. No sentido
político e social, a liberdade traduziria a “ausência de uma constrição social
imposta ao indivíduo”, que é livre para recusar tudo o que a lei não ordena e
para fazer tudo o que a lei não veda. Haveria ainda um terceiro sentido, que
poderia ser denominado como “psicológico ou moral”, segundo o qual a liberdade
é o estado do ser que, após refletir em conhecimento de causa, se decide para o
bem ou para o mal, realizando em seus atos sua verdadeira natureza. De acordo
com esses sentidos, Lira (idem, p. 108) conclui:
Postas
estas premissas, não se pode negar que a Liberdade, em qualquer de seus
sentidos, e Direito à Terra se ligam como noções indissociáveis. Seja o Direito
à Terra no meio rural, seja o Direito à Terra no meio urbano.
A CR/88 considerou
tanto o direito de propriedade quanto a defesa do meio ambiente como princípios
gerais da atividade econômica, conforme se pode verificar do disposto no art.
170, em especial nos incisos II e VI. Na opinião de Ferreira (2004, apud BENJAMIN
2010, p. 292) essa nova redação parece propor, de forma objetiva, a necessidade
de que as imposições resultantes dos deveres de proteção do meio ambiente
atendam ao princípio da proporcionalidade, de modo a admitir que a defesa do
meio ambiente somente se realiza por meio de medidas de proteção que atendam
aos objetivos de segurança ambiental, porém permitindo também o exercício da
atividade econômica. Assim, as medidas de proteção, segundo essa autora, devem
ser aquelas que “importem o menor grau de restrição aos demais bens ou direitos
envolvidos na relação, e que se demonstrem concretamente necessárias e
suficientes para a garantia de proteção esperada”.
Essa linha de
raciocínio, também presente no pensamento de Callies (2001,
p. 32), citado na seção
anterior, conduz à conclusão de que os deveres de proteção ao meio ambiente
devem ser buscados de forma a evitar o menor grau de restrição possível ao
direito de propriedade. Até porque, no caso brasileiro, esse direito foi
proclamado no art. 5º, XXII, da CR/88. O que se busca é a compreensão do novo
conteúdo desse instituto em face da disposição contida no inciso XXIII, segundo
a qual “a propriedade atenderá a sua função social”, em cotejo com o disposto no
artigo 225, no sentido de que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”.
O meio ambiente se
consolida em alguns momentos enquadrado na moldura da propriedade. É nesse
palco que o espetáculo da vida se realiza, sem destruí-la ou revogá-la. Assim,
a grande diferença entre o passado e o presente, é que atualmente “o direito de
propriedade aparece ambientalmente qualificado”, conforme afirmou Benjamin
(2010, p. 90), cuja lição merece ser destacada:
A
apropriação dos espaços pela intervenção humana – seja pela ocupação da terra,
seja pelo parcelamento do solo e do planejamento urbano das cidades –
encontra-se condicionada por finalidades e usos que devem ser protegidos.
O
princípio da função social da propriedade se superpõe à autonomia privada, que
rege as relações econômicas, para proteger os interesses de toda a coletividade
em torno de um direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Somente a
propriedade privada que cumpra sua função social possui proteção
constitucional. Por essa razão, seu descumprimento importa a imposição de uma
sanção: a expropriação compulsória. Esta é suportada pelo proprietário
exatamente em razão do exercício irresponsável do direito e da gestão
inadequada dos recursos naturais.
Com base nessas
reflexões, é possível afirmar que o direito de propriedade continua a ser um
direito fundamental, porém vinculado ao dever de cumprir a função social e a
função ambiental. Este condicionamento, além de constituir-se em uma obrigação
do titular da propriedade, será fiscalizado e gerido pelo Estado, de modo a
interferir, em menor grau possível, no direito de propriedade. Em outras
palavras, a intervenção do Estado é legítima, desde que seja feita na medida
necessária ao cumprimento da função social e ambiental.
O papel do Estado,
nesse contexto, passa a ser o de gerenciador dos riscos, conforme apontou Giddens
(1995): de um lado, deve agir para evitar o aprofundamento dos danos coletivos
gerados pelo modo de vida contemporâneo (poluição, desmatamento, novas
tecnologias, etc.); e, de outro, deve esforçar-se para garantir a menor
interferência possível nos direitos fundamentais já consagrados.
Nesta etapa da reflexão
aqui proposta, a questão que precisa ser colocada diz respeito ao conteúdo da
função social e da função ambiental da propriedade, em face do sistema
estatuído pela CR/88. Seria esta espécie daquela? Ambas teriam igual significado?
A Constituição de
Weimar, de 11 de agosto de 1919, foi um marco histórico na superação do
paradigma individualista até então vigente. No artigo 153, estatuiu-se que “A
Constituição garante a propriedade. O seu conteúdo e os seus limites resultam
de lei. A propriedade obriga e o seu uso e o seu exercício devem ao mesmo tempo
representar uma função no interesse social”.
Essa nova feição da
propriedade, vinculada a uma função no interesse social, a partir da
Constituição de Weimar passou a influenciar outros ordenamentos jurídicos, como
é o caso da Constituição italiana de 1948, a espanhola de 1978 e a brasileira
de 1934, cujo art. 113 proclamou, em seu caput, o direito de propriedade entre os direitos e garantias
individuais, mencionando no inciso XVII:
É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser
exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar.
A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da
lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como
guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da
propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à
indenização ulterior.
No Brasil, a
Constituição de 1937 silenciou acerca da função social da propriedade. A
Constituição de 1946, por sua vez, inseriu, no artigo 147, a propriedade entre
os princípios da ordem econômica e social. Mello (1987, p. 40) afirma que o
artigo 147 da Constituição Federal de 1946 não apenas prevê a desapropriação
por interesse social, mas aponta para um rumo social da propriedade “ao ser
prefigurada legislação que lhe assegure justa distribuição, buscando mais que a
tradicional igualdade perante a lei, igualdade perante a oportunidade de acesso
à propriedade”. A Constituição de 1967 inovou ao dispor, no artigo 157: “A
ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes
princípios: [...] III- função social da propriedade.”
A Emenda Constitucional
nº 1 de 1969 manteve dispositivo semelhante no artigo 160, III. Tais previsões,
no entanto, embora em consonância com a melhor doutrina e com o novo paradigma
da propriedade vinculada à função social, pouco se refletiram no plano fático.
Talvez devido ao momento político, já que o país enfrentava o período da
ditadura militar, bastante distante das aspirações democráticas em cujo
contexto a função social da propriedade foi gestada em outros países.
Mas, afinal, o que é
“função social”? Definir função social não é tarefa fácil. O vocábulo “função”
apresenta conteúdos variáveis, tanto no uso comum quanto no jurídico. Para Modugno
(1969, p. 301), o vocábulo função designaria “o cumprimento de um dever, de uma
atribuição, de uma obrigação”. Gama (2008) explica que a ideia de função social
como instrumento vem da própria etimologia da expressão: “em latim, a palavra functio é derivada do verbo fungor
(functus sem, fungi) cujo significado é de cumprir algo, desempenhar
um dever ou tarefa, ou seja, cumprir uma finalidade, funcionalizar”.
Segundo Comparato
(1986), a ideia de função carrega em si a noção de um poder de dar destino
determinado a um objeto ou a uma relação jurídica, vinculando-os a certos
objetivos. Ao acrescer o adjetivo “social”, esse objetivo ultrapassaria o
interesse do titular do direito, que passaria a ter um poder-dever,
revelando-se como de interesse coletivo.
A doutrina vem-se
dedicando ao estudo da função social, havendo já consideráveis artigos
científicos e obras relevantes acerca do tema, embora ainda não se tenha
pacificado um entendimento acerca de seu conteúdo preciso. Grau (1981) afirma que a expressão “função social”
é atribuída por alguns a Augusto Comte, por outros, a Léon Duguit. São Basílio,
São Tomás de Aquino e Rousseau, no entanto, já teriam utilizado antes essa
expressão. Grau (1981) menciona que, já em 1889, Otto Von Gierke publicara um
discurso em Viena intitulado A missão social do Direito
Privado, no qual ele assinalava que “à propriedade deveriam ser
impostos deveres sociais”. E no que diz respeito à função ambiental da
propriedade? Após exaustiva pesquisa, foi possível constatar que pouco se
produziu em termos de precisar um conteúdo para a função ambiental da
propriedade.
Benjamin (2011, p.
11) afirma que
“inexistem estudos sobre a função ambiental”, tanto no direito nacional quanto
no alienígena, o que o leva a inserir essa função em um contexto mais amplo de
esquadrinhamento do sistema, de princípios e regimes que regem o direito
ambiental, no contexto da discussão acerca de sua autonomia. Função, para Benjamin
(2011, p. 23), seria “a atividade finalisticamente dirigida à tutela de
interesse de outrem, caracterizando-se pela relevância global, homogeneidade de
regime e manifestação através de um dever-poder”; função ambiental, por sua
vez, para esse autor, trata-se de espécie do gênero função e é um fenômeno
jurídico de manifestação recente, pois, embora o fenômeno ambiental seja
anterior ao próprio homem, a sua percepção jurídica só começou a tomar forma
nos últimos anos, como resultado das grandes transformações do processo de
desenvolvimento, que se refletem também no Direito. Sant’Anna (2007, p. 156)
define a função ambiental como
Conjunto
de atividades que visam garantir a todos o direito constitucional de desfrutar
um meio ambiente equilibrado e sustentável, na busca da sadia e satisfatória
qualidade de vida, para a presente e futuras gerações.
A Constituição da
Colômbia, a partir do Acto Legislativo 01, de 1999, disse expressamente, no art.
58, que “A propriedade é uma função social que implica obrigações. Como tal, lhe
é inerente uma função ecológica”[10].
Dessa forma, evidenciou-se que a função social é gênero, do qual a função
ambiental é espécie.
No caso brasileiro, no
entanto, a Constituição que está em vigor desde 1988 proclamou o direito de
propriedade no art. 5º, XXII, e no inciso XXIII, e estabeleceu que “a
propriedade atenderá a sua função social”, dentro do Título II, que trata “dos
direitos e garantias fundamentais”. A função ambiental, por sua vez, seria
corolário do disposto no art. 225, cujo caput determinou
que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”,
disciplinando, no § 1º, as incumbências do poder público para assegurar a
efetividade desse direito, entre as quais aquela prevista no inciso III, no
sentido de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Assim, não está claro,
no texto da Constituição brasileira, ao contrário do que ocorre com a
Constituição da Colômbia, se função social é gênero, e função ambiental,
espécie. Segundo Ayala (2010), a obrigação de defesa do meio ambiente e a
função social da propriedade condicionam a
forma de valoração dos bens para a finalidade de apropriação. Em decorrência
disso, qualquer relação de apropriação deve permitir o cumprimento de duas
funções distintas: uma individual (dimensão econômica da propriedade), e uma
coletiva (dimensão socioambiental da propriedade). Ayala alerta, no entanto, para
a observação de que “essas funções nem sempre se impõe de forma simultânea”.
Com efeito, há
situações em que a função social e a função ambiental da propriedade entram em
rota de colisão. No caso das desapropriações para fins de reforma agrária, por
exemplo, há estudos demonstrando que o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária - INCRA - está “gerando assentamentos que, muitas vezes,
representam um passivo social, econômico e ambiental”, conforme afirmou Flávia
Camargo de Araújo (2006, p. 16) na dissertação de Mestrado em Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília - UnB “Reforma Agrária e Gestão
Ambiental: Encontros e Desencontros”[11];
isso devido à inobservância de critérios ambientais como indicadores de
produtividade. Neste caso, a expressão “socioambiental” da propriedade cai por
terra, pois o meio ambiente é sacrificado para privilegiar o assentamento de
famílias de forma desordenada e inadequada.
É possível, portanto,
afirmar que função ambiental e função social são distintas. Esta diz respeito
ao uso da propriedade no interesse social. Aquela, ao uso da propriedade no
interesse ambiental. Ora, se proteger o meio ambiente interessa a toda a
sociedade, poder-se-ia concluir que a função ambiental é também uma função
social. Então, novamente emerge o seguinte questionamento: seria a função
ambiental espécie do gênero função social? Esta pergunta será respondida na
próxima seção, à luz do método indutivo-dedutivo proposto por Aristóteles.
4 A FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE À LUZ DO
MÉTODO INDUTIVO-DEDUTIVO DE ARISTÓTELES: UMA PROPOSTA CONCEITUAL
Segundo Ferreira (1986,
p. 844), a palavra “gênero” vem do latim genus, eris, e
significa “classe cuja extensão se divide em outras classes, as quais, em
relação à primeira, são chamadas de espécies”. Por extensão, gênero seria
também o “conjunto de espécies que apresentam certo número de caracteres comuns
convencionalmente estabelecidos”[12].
No aspecto jurídico, a função ambiental, muitas vezes, é vista como uma
“especialidade”, um aspecto específico dentro da função social. E foi nessa
direção que se posicionou o Pleno do Supremo Tribunal Federal - STF - no
julgamento da ADIn 2213-DF, publicado no DJU DE 23/4/2004, da qual foi Relator
o Ministro Celso de Mello, conforme se depreende da seguinte passagem:
O
direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele
pesa grave hipoteca social, a significar que descumprida a função social que
lhe é inerente (art. 5º., XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na
esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as
formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República.
O
acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e
adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização
da função social da propriedade.
Em que pese essa
decisão do STF, no entanto, é preciso clarificar se a preservação do meio
ambiente é apenas isso: objeto da função social ou, em outras palavras, se
consiste em elemento de realização da função social da propriedade. Para
investigar a natureza jurídica da função ambiental da propriedade, faz-se
necessária a eleição de um método. Nesta etapa da pesquisa, foi utilizado o
método científico proposto por Aristóteles e que ficou conhecido como
indutivo-dedutivo, segundo o qual a investigação científica tem início a partir
do conhecimento de que certos acontecimentos ocorrem ou que certas propriedades
coexistem. Através do processo de “indução”, tais observações levariam a um
princípio explicativo. Uma vez estabelecido, esse princípio poderia levar, por
dedução, de volta às observações particulares de onde se partiu ou a outras
afirmações a respeito dos acontecimentos ou propriedades. Há assim, na
explicação científica, um processo de “vai-e-vem”, partindo do fato, ascendendo
para os princípios explicativos, e descendendo novamente para o fato.
Tomando-se por base uma
situação fática na qual a necessidade de reforma agrária coloca em rota de
colisão o interesse no assentamento de famílias “sem-terra”, de um lado, e de
outro a necessidade de proteção ambiental de áreas ambientalmente sensíveis,
como é o caso do Pantanal[13],
à luz do método aristotélico, poderia ser formulada a seguinte proposição:
A
propriedade que cumpre a função social cumpre também a função ambiental
A
propriedade “x” cumpre a função ambiental
Logo,
a propriedade “x” cumpre a função social
Essa afirmação
apresenta-se como verdadeira, até porque, se a propriedade “x” cumprir a função
ambiental, ainda que nela não esteja sendo desenvolvida nenhuma atividade
produtiva do ponto de vista econômico, ela estará cumprindo a função de
preservar o meio ambiente, que é uma função que interessa, em última análise, a
toda a sociedade.
As primeiras duas
afirmações são chamadas de “premissas” de inferência, e a terceira é chamada de
conclusão. Esse tipo de raciocínio é chamado de dedutivo porque tem a seguinte
característica: se as premissas forem verdadeiras, então a conclusão também o
será. Avançando na aplicação do método indutivo, poder-se-ia formular de outro
modo a proposição acima, com a inversão das premissas, do seguinte modo:
A
propriedade que cumpre a função ambiental cumpre também a função social
A
propriedade “x” cumpre a função social
Logo,
a propriedade “x” cumpre a função ambiental
Essa segunda proposição
também parece verdadeira. Porém, há propriedades que
cumprem a função social, mas não cumprem a função ambiental.
Enquadra-se nesse modelo o assentamento de famílias “sem terra”, sem levar em
conta as áreas de preservação permanente e a reserva legal, ou em áreas
ambientalmente frágeis, como é o caso do Pantanal.
De outro lado, há propriedades que cumprem a função ambiental, mas não cumprem a
função social. Entre tais hipóteses, é possível citar o Mandado de
Segurança MS 22164/SP, impetrado por um proprietário de terras localizadas no
Pantanal sul-mato-grossense contra a União, inconformado com a desapropriação
de seu imóvel rural para fins de reforma agrária. No mandamus, o
impetrante alegou não ter cultivado a área porque essa se localiza no Pantanal
mato-grossense, definido no artigo 225, § 4º, da CR/88 como patrimônio
nacional, razão pela qual a função ambiental dessa propriedade estaria sendo
atendida quando mantida em seu estado natural, sendo de interesse da
coletividade a preservação intacta do local.
Esse argumento não foi
acolhido pelo relator ministro Celso de Mello, pelo entendimento de que o
dispositivo constitucional não atua como impedimento jurídico à efetivação, pela
própria União, de atividade expropriatória por interesse social, visando à
execução de projetos que respeitem a preservação ambiental. Destacou o relator
que o art. 186, II, da CR/88 consiste na submissão do domínio à necessidade de
o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de
fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente, “sob pena de, em descumprindo
esses encargos, sofrer a desapropriação-sanção a que se refere o artigo 184 da
Lei Fundamental”.
A decisão do STF foi no
sentido de que caberia a esse proprietário realizar estudos técnicos (às suas
expensas) para definir atividades que possibilitassem a utilização dos recursos
naturais disponíveis, de modo a respeitar o meio ambiente[14].
Tal linha de entendimento pressupõe uma visão desenvolvimentista, segundo a
qual a função social da propriedade (no aspecto voltado à utilidade econômica,
como é o caso da produção de alimentos) sobrepor-se-ia à função ambiental. Ora,
é evidente que, do ponto de vista da preservação ambiental, o não
desenvolvimento de atividades econômicas numa área tão sensível quanto o Pantanal
mato-grossense melhor atende aos interesses ambientais. Pode não atender ao
interesse social relativo à produção de alimentos e aos beneficiários diretos dos
empreendimentos a serem instalados naquela propriedade rural, apontados a
partir dos tais “estudos técnicos” recomendados pelo STF: os consumidores de
produtos alimentícios e/ou serviços (como é o caso dos turistas de
empreendimentos “ecológicos”), os empregados de tais empreendimentos, a
população do entorno beneficiada com a geração de tributos, etc. Esses os
argumentos mais comuns quando se defende o empreendedorismo econômico das
propriedades rurais localizadas no Pantanal contra o interesse de preservação
ambiental.
Forçoso é reconhecer
que, no MS 22164/SP, o argumento da defesa estava correto: aquela propriedade,
ao não abrigar atividades econômicas, atendia à função ambiental. O STF relevou
esse argumento como se exprimisse mero exercício de retórica. Antes assim
fosse. Mas, na verdade, o litígio olvidava o embate entre função social e
função ambiental da propriedade privada, ainda não enfrentado pelo STF.
O exemplo prático ora analisado derruba a
proposição formulada à luz do método Aristotélico: “a propriedade que cumpre a
função ambiental cumpre também a função social”, visto que, ali, a propriedade
cumpria a função ambiental, mas não cumpria a função social. Aliás, conforme a
bem lançada crítica de POPPER (2016, p. 1-16), que criticou o método
Aristotélico afirmando que as tentativas de justificar a ciência em termos
lógicos, fazendo-se referência à indução, levam inevitavelmente ao fracasso.
Popper destacou que os cientistas não trabalham apenas acumulando observações
sobre um dado fenômeno e depois derivando generalizações delas. Eles também
formulam hipóteses sobre a natureza do mundo, o que nem sempre ocorre a partir
de generalizações indutivas. E então devem sujeitar tais hipóteses a testes
rigorosos, não na tentativa de provar uma teoria particular (uma forma de
indução), mas sim de refutar essa teoria.
A prova de algo, de
acordo com Popper, é uma coisa logicamente impossível. Um único contraexemplo é
suficiente para refutar uma generalização, enquanto que a prova iria exigir a
tarefa impossível de documentar cada instância do fenômeno em questão. Em
outras palavras, os experimentos devem ser desenhados para falsificar ou
refutar a hipótese sob teste, e não para demonstrar a sua verdade. Esse
procedimento, segundo Popper, rompe o ciclo vicioso do problema da indução. Ao
contrário de ser o vilão da ciência, o contraexemplo é precisamente aquilo que
o cientista deve procurar: ele é a própria marca registrada da ciência. Assim,
para que as proposições acima formuladas sejam verdadeiras, é necessário que
não seja possível formular o “contraexemplo”. Os contraexemplos apresentados
refutam a conclusão de que a propriedade que cumpre a função ambiental cumpre
também a função social.
Tomando-se por base o
método proposto por Aristóteles e levando-se em conta as observações de Popper,
partindo-se do fato para os princípios explicativos, e descendo-se novamente
para o fato, conclui-se que a função ambiental, no plano fático, não se
confunde com a função social e, igualmente, no plano teórico, confirma-se que
se está diante de categorias distintas.
Com efeito, nem sempre
o exercício da função social ou o “uso racional” da propriedade é melhor para o
meio ambiente. Há situações em que “não usá-la” pode melhor atender ao
interesse ambiental.
CONCLUSÃO
Para esmiuçar o conteúdo
da expressão “função ambiental”, a pesquisa desenvolvida no âmbito deste artigo
ocupou-se do exercício metodológico indutivo-dedutivo proposto por Aristóteles,
levando em conta, ainda, o contraponto ao método aristotélico formulado por
Popper. Desse exercício intelectivo resultou a conclusão de que função social e
função ambiental da propriedade, embora tenham uma base comum, têm conteúdos
distintos: esta voltada para a proteção e defesa do meio ambiente, aquela para
a geração de recursos (emprego e renda) e produção de alimentos.
Com efeito, enquanto a
função social preocupa-se com as condições sociais e econômicas da pessoa
humana e da coletividade, a função ambiental está voltada à proteção do meio
ambiente. Ambas são importantes e imprescindíveis, constituindo-se em ideais a
serem construídos e alcançados pelo poder público e por toda a coletividade, a
partir da ação dos governos, das organizações da sociedade civil e de cada
indivíduo.
Não se pode concordar,
portanto, com a visão defendida de forma corriqueira pela doutrina e contida em
algumas decisões do STF, acima analisadas, no sentido de que a função social é
gênero do qual a função ambiental é espécie. Neste artigo foram apresentados
alguns contraexemplos a esta afirmativa, evidenciando-se que há inúmeras
situações fáticas nas quais o interesse ambiental entrará em choque com o
interesse social. Nessas hipóteses, função social e função ambiental
apresentar-se-ão com conteúdos distintos, revelando que a função ambiental
implica o direcionamento do exercício do direito de propriedade voltado à
conservação do meio ambiente como objetivo primeiro.
Assim, a utilização da
expressão “função socioambiental da propriedade” nem sempre estará correta,
podendo ser aplicada apenas nas hipóteses em que o interesse social e o
ambiental coincidam. Há situações em que tais interesses estarão em confronto;
daí porque, sob o aspecto conceitual, melhor será compreender a “função
ambiental da propriedade” como desempenho ou cumprimento da finalidade de
conservação do meio ambiente como categoria que carrega valor em si próprio,
independentemente de deveres outros ligados aos interesses humanos.
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ed. Porto Alegre: SAFE, v. I, 2003.
Artigo recebido em: 25/01/2017.
Artigo aceito em: 09/05/2017.
Como
citar este artigo (ABNT):
ARAÚJO,
Giselle Marques de. Função Ambiental da Propriedade: uma proposta conceitual. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 14, n. 28, p.
, jan./abr. 2017. Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/985>.
Acesso em: dia mês. ano.
[1] Há aqueles que
defendem,
como critério para identificar os direitos fundamentais, a menção expressa a
esta condição feita pela própria Constituição, o que, à primeira vista, apresenta-se como um
caminho seguro (entre estes, Retortillo
(1988, p. 65) e Hesse
(1998, p. 225); mas por outro lado, pode significar um
“engessamento” reduzir a noção de direitos fundamentais a um mero critério
formal, ainda que fornecido pela própria Carta Magna. Compartilham desta opinião, Sarlet (2001, p. 97) e Piovesan
(1997, p. 78-80).
[2] Não são
poucas as críticas à formulação das “gerações” de direitos fundamentais
propostas por Bobbio. A esse respeito, Trindade (2003, p. 41) opõe-se ao que
chamou de “visão fragmentária dos direitos humanos”, defendendo a “natureza
complementar” de todos os direitos humanos, com o que concordou Sarlet (2013,
p. 31). Em que pese a sabedoria reconhecida dos autores que compartilham dessa
visão, discorda-se, no entanto, desse entendimento, na medida em que Bobbio não
defendeu que uma geração de direitos revogaria ou excluiria a outra. Ao
identificar as “gerações de direitos humanos”, Bobbio pretendeu ilustrar como
aconteceu o surgimento de cada classe dos direitos humanos, de acordo com cada
momento histórico. A teoria de Bobbio não propôs a divisibilidade dos direitos
humanos ou a hierarquia entre eles, como equivocadamente entendem alguns
autores. Seu pensamento contribuiu sobremaneira para que se pudesse, de forma
didática, vislumbrar o surgimento e a positivação dos direitos humanos, como
decorrência da luta de “novos direitos” contra “velhos poderes”.
[3] Tradução
livre da autora: “1) Todos têm o direito de desfrutar de um meio ambiente
adequado para o desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de conservá-lo.
2) Os poderes públicos devem assegurar o uso racional dos recursos naturais com
a finalidade de proteger e melhorar a qualidade de vida, defender e restaurar o
meio ambiente, contando com a inescusável solidariedade coletiva. 3) Para
aqueles que violarem o disposto nos itens anteriores, nos termos da lei, serão
estabelecidas sanções penais ou, conforme o caso, administrativas, assim como a
obrigação de reparar o dano causado.
[4]
Em tradução livre da autora, a versão em português seria aproximadamente a
seguinte: O Estado deve proteger as bases naturais da vida, tendo em conta também
a sua responsabilidade para com as futuras gerações, no âmbito da ordem
constitucional, segundo a lei e o Direito, por meio do poder Legislativo e dos poderes Executivo e Judiciário.
[5] Christian Calliess é professor da Universidade Livre de Berlim e da Pós-Graduação
sobre a integração europeia do Instituto Europeu da Universidade de Saarland.
Membro do Conselho Consultivo do Meio Ambiente - SRU -, o foco do seu trabalho
científico é a política ambiental no âmbito da lei europeia e os direitos
humanos fundamentais (incluindo os direitos de proteção).
[6] A
legitimidade é destacada aqui como um elemento externo ao sistema, mas que o
justifica. Niño (1994, p. 62) lembra que “a validez de certo ordenamento
jurídico não pode fundar-se em regras desse mesmo sistema jurídico, mas deve
derivar de princípios externos ao próprio sistema”.
[7] A colisão
entre princípios constitui-se em um dos grandes desafios para o direito
constitucional contemporâneo. A chave para a solução desse problema, segundo Robert Alexy, estaria na análise da estrutura das normas de
direitos fundamentais, buscando-se a distinção entre princípios e regras. No caso do conflito entre regras, seria possível
aplicar uma “cláusula de exceção” a uma delas, ou até mesmo a invalidação
daquela que tivesse menor incidência na análise de um caso concreto. A
distinção entre princípios, no entanto, não pode resultar na invalidação ou
revogação de quaisquer desses. Um princípio nunca revoga ou invalida o outro. Alexy
propõe uma fórmula através da qual seriam atribuídos pelo intérprete valores
baseados no peso de cada princípio, segundo as características de incidência
desses no caso concreto. Haveria dois métodos para a solução de conflitos: a
ponderação e o balanceamento. Alexy desenvolve a proposta da ponderação como
alternativa ao método da subsunção para a interpretação e aplicação do Direito.
[8] Enfrentando
a questão da diferença entre princípios e regras, Dworkin afirma
que os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância que as regras não
têm, de modo que, em caso de colisão, o que tiver maior peso de incidência,
naquele caso concreto, sobrepor-se-á ao outro que, no entanto, não perderá a
sua validade.
[9]
Segundo Milaré (2006, p. 87), antropocêntrica é a
concepção genérica, em síntese, que faz do homem o centro do universo, ou seja,
a referência máxima e absoluta de valores.
[10]
O texto integral do referido
artigo 58 diz o seguinte: “Se garantizan la
propiedad privada y los demás derechos adquiridos con arreglo a las leyes
civiles, los cuales no pueden ser desconocidos ni vulnerados por leyes
posteriores. Cuando de la aplicación de una ley expedida por motivos de
utilidad pública o interés social, resultare en conflicto los derechos de los
particulares con la necesidad por ella reconocida, el interés privado deberá
ceder al interés público o social. La propiedad es una función social que
implica obligaciones. Como tal, le es inherente una función ecológica. El
Estado protegerá y promoverá las formas asociativas y solidarias de propiedad.
Por motivos de utilidad pública o interés social definidos por el legislador,
podrá haber expropiación mediante sentencia judicial e indemnización previa.
Esta se fijará consultando los intereses de la comunidad y del afectado. En los
casos que determine el legislador, dicha expropiación podrá adelantarse por vía
administrativa, sujeta a posterior acción contenciosa-administrativa, incluso
respecto del precio”.
[11] Segundo
informações contidas no site oficial do
INCRA, “a inclusão da variável ambiental no âmbito das ações de criação e
promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos da reforma agrária
indica mudança significativa na forma de atuação Incra. Os elementos
orientadores dessa política são o respeito às diversidades ambientais, a
promoção da exploração racional e sustentável dos recursos naturais e a
utilização do sistema de licenciamento como instrumento de gestão ambiental dos
assentamentos”. Os procedimentos foram definidos pela Resolução n. 289/2001, do
Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama -, que estabelece diretrizes para o
licenciamento ambiental de projetos de assentamento, visando ao desenvolvimento
sustentável e à melhoria contínua na qualidade de vida dos assentados.
Disponível em: <http://www.incra.gov.br/meioambiente>. Acesso em: 8 maio
2016.
[12] A palavra
“gênero” possui diferentes significados. Na caracterização das categorias de
textos literários, o gênero se caracteriza por exercer uma função sociocomunicativa
específica. Essas nem sempre são fáceis de explicitar. A espécie se define e se
caracteriza apenas “por aspectos formais de estrutura (inclusive
superestrutura) e da superfície linguística e/ou por aspectos de conteúdo”.
(TRAVÁGLIA, 2001, p. 5).
[13]
O Pantanal, a maior planície
inundável do mundo, com mais de 110.000 km², reúne um mosaico de diferentes
ambientes e abriga rica biota terrestre e aquática. O frágil equilíbrio dos
ecossistemas pantaneiros, definidos por dinâmicas de inundações periódicas,
está sendo ameaçado pelas novas tendências de desenvolvimento econômico. Os
modelos tradicionais de pesca e de pecuária estão sendo rapidamente
substituídos pela exploração intensiva, acompanhada de desmatamentos e de
alteração de áreas naturais (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2002).
[14]
Tal entendimento se justificaria pelo
princípio do poluidor pagador, que segundo Fiorillo (2006, p. 28)
significa que as pessoas naturais ou jurídicas devem pagar os custos das
medidas que sejam necessárias para a eliminação da contaminação ou para
reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que assegurem
a qualidade de vida.